sábado, 8 de janeiro de 2011


Vago Juízo de Não-Ser

Posso caracterizar-me pelas minhas vontades. Coisa que tenho aos montes. Muitas mesmo.
São tantas que acabo por não realizar nenhuma. Ficam todas guardadas em mim, como se eu fosse gaveta trancada.
E elas são como felinos. Volta e meia resolvem fugir. E vão embora. Escapam pelo buraco da fechadura. Só que deixam uma poeira. Poeira delas mesmas, uma parte de si. E quando querem se encontrar, para que busquem a si mesmas e retornem a vagar por aí, reconhecem o aconchego do ventre. Por isso, crescem mais, pensam que não são quando já amadureceram.
Elas inflam, ficam gigantes, quase me estouram por dentro. Parecido com música sussurrada no seu ouvido. Tão alto, mas tão complacente que você mal escuta, mal percebe que estão ali.
A demora as faz ir embora novamente. Minha vontade tem que seguir regras, não posso ter vontade de qualquer coisa.
Sou como uma casa de vaga-lumes. Minhas vontades são essas luzinhas que imitam elétrons. São meu gás.
Quem sabe, depois que eu der tudo o que posso para as vontades do mundo, eu possa cuidar das minhas. Como filhas.
Acho que se chama esperança...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010



Arranha-Céu


Depois de tanto vento soprar, tanta coisa voar, tanto a terra mexer, ela caiu ali. Bem no lugarzinho certo. Um buraquinho na terra molhada, banhada de sol e amor, bem morninho, fez-se o ventre.
E a Mãe Terra, querendo o melhor para todos os filhos, jogou vida. Soprou vento, regou, deu nutrientes e amor. Brotou. Verdinho, novinho, pequeno. Mais vida. E foi crescendo, crescendo, crescendo... foi tentando alcançar o céu, bem devagar.
Virou uma planta frondosa, cheia de folhas bem feitinhas, tronco forte e beleza estrondosa. Era sopro da mãe, não poderia ser menos que muito. Mas acontece que, como as fadas, as plantas também são presenteadas com um pecado, por falta de espaço para mais que isso. E essa, é claro, tinha o seu.
Então a planta, tão bonita e forte, crescida em jardim bem cuidado, tentou imitar o sol, que era o astro dos astros. Mas de tanto tentar o que não devia, acabou por ter só duas florzinhas, pequenas, amarelas, delicadas. Uma em cada ponta, uma em cada direção.
As florzinhas, inocentes até então, tentaram se ver, se falar, se amar. Mas não deu. E a planta começou a murchar, por falta de amor e muita tristeza. Porque os pontinhos de luz sentiam solidão. E no cinza que ela foi ficando, as florzinhas começaram a brilhar cada vez mais.
O que aconteceu, de fato, foi que, de tão morte que se tornavam, uma pôde perceber melhor o brilho da outra, então o amor brotou de novo. A chuva caiu e a vida recomeçou, deixando a morte se esvair dela, como água em barranco.

sábado, 10 de julho de 2010



Sopro


Nascera normal, de parto normal, crescera assim. Feliz, falante, tudo como deveria ser. Cabelos muito lisos, comportados, tudo muito direito. Bem branquinha, muito regrada.
Até que, quando menina, conheceu o amor. Começou com um olhar. Só dela, aliás. E foi crescendo, devagar, como uma sombra invadindo a sala de estar. É, ela conheceu o amor e as sombras, os dois como um só. A história se desenrolou, como qualquer história e, enfim, o tempo os separou.
O tempo, ah... Ele nunca para de passar. Ele passou tanto, tanto e sem perdoar. Bem aí, ela percebeu que o amor não tinha passado.
Chorou, sofreu, tudo de novo. E, no meio do seu completo desespero, pediu a Deus, com as forças que lhe restavam, que o tirasse do amor que ela tinha no coração. Que ele (o amor), tão delicado, fosse guardado em uma caixinha, trancado à chave. E ficou leve, bem leve, como antes das sombras.
Sem mais nem menos, em um dia qualquer, começou com um olhar. Uma caixinha; uma chave. Abriu. Era tão bonita a caixinha... Foi como uma flechada no peito. Tudo ficou muito claro. Transformou-se em vento e, depois de fazer redemoinho e destruir a casa e as lembranças, foi como ventania até a pedra mais alta da praia. Sentou-se como uma deusa, bronzeada e com os cabelos bagunçados; ondulados e sempre em movimento. Ela segurava a caixa.
Agora é brisa do mar, fazendo marola. De vez em quando, aparece alguém solitário e sem amor na sua praia. A caixa também aparece, junto com uma brisa forte. Ela tenta tocar o coração de alguém, para que possa descansar em paz. Com ele guardado na caixa e o amor puro no coração. Para que consiga, finalmente, se jogar da pedra e virar concha do mar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010





Real em Dólar


Entrei em sua vida muito rápido. Ela não sabia o que queria, eu também não. Ela pensava em montar uma banda, pintar o cabelo de rosa. Eu pensava em trabalhar, estudar, em ser alguém. Ela insistia que qualquer um é alguém. Quem disse que o coração precisa de escola e graduação?

Na verdade, nos conhecemos no útero. Tipo um só. Na verdade, eu só comecei a crescer quando ela completou uma certa idade. Na verdade, somos a verdade uma da outra.

Eu prevaleci, claro. Tenho emprego, escolaridade, grana. E percebi que, mesmo assim, ela era a verdade e eu acabei com a verdade da minha vida. Ela fica cada vez mais distante. Peço a Deus, todos os dias, que desestabilize minha mente, meu raciocínio lógico, que me faça, finalmente, querer pintar o cabelo de rosa, comer chocolate o dia todo, brincar de tocar guitarra, tudo de novo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010




O Que Eu Entendo Sobre Vetores


A força que deveria me sair dos pulmões falha. A certeza da impotência me assusta, mas torço para que não seja incapacidade. Não é.

Empurro com forçao, faço esforço,forço. E canso. Não sei se desisto, mas choro. E, mais uma vez, tudo adiado. Vontade eu tenho, força de vontade já não sei.

Esse monte de incerteza me tira do sério, brinca com meus nervos. Meu sistema nervoso entra em curto. O tempo é curto. O tempo é meu e e eu afirmo: é curto, mesmo que sobre depois. Se sobrar, eu preencho com coisa melhor. Antes isso do que afirmar a existência, em contradição, do não-ser.

Porque temos que ser. Temos não, tenho. Você usa o seu ser como e para o que quiser. Ou não usa, sei lá.

O meu vai mudar o mundo daqui a um tempo, o meu vai dar uma louca. Que duvidem de mim, como de Sócrates. Esse papo de sonhar é meio-copo, meio furada. Mas eu vou.

Meu mundo eu revoluciono, mudo, refaço. E para ser nele, é só não repelir o ser em si mesmo.

E depois disso, eu acordei.

sábado, 3 de abril de 2010


Você que ama tanto o mar, por que não se entrega mais?

E foi aí que um tsunami bateu nos meus olhos. Mas o tsunami era eu, nada mudaria o que já havia sido. E era tudo um desastre. E a culpa, bem, era minha. Se você sabe que um problema existe, solucione-o.
E você, Mariana, que ama tanto o mar, por que não se desapega? É que se apegar tanto a essas coisas tolas e mundanas nos deixa imundos. Almas imundas não lavam a mente. Quem não lava a mente não consegue se livrar dos padrões. Ei, Mariana! Não é você que odeia esses tais padrões?
Mas esse amor teu ao mar não te ensinou a se entregar? Entrega. A quem? Ao mar? Não, não, a si mesma e a quem te cerca. Falta sentir e falta tudo de tão intenso que você ama e não vive.
Quer saber, te falta vida. Melhor, te faltam olhos limpos para ver a vida. E te falta enlevezar o coração. E te falta querer. Poder você já pode.
És tão linda, tu e teu coração. Limpe-se.

Já que ninguém me disse o que eu precisava escutar, eu me disse. E quer saber, adiantou.

sábado, 20 de março de 2010





O Balão Negro-Luz


Amarelo, voador, redondo, apaixonante. Até umas fitinhas coloridas ‘tirilintando’ com o vento ele tinha. Mas era tão, tão, mas tão alto! Tão magnífico, mas tão alto. E ela, tão pequenininha e indefesa, jamais conseguiria pega-lo.
Bem que ele podia ser uma pipa, daquela que os meninos cortam a linha e depois correm pra pegar. Ela ia arranjar um menino para fazer o “trabalho sujo” para ela, com toda certeza. Melhor não, porque cortar uma preciosidade daquela com cerol era um quase pecado ensurdecedor.
Ensurdecedor também não, aquele barulho todo era a mamãe chamando. Mãe quer que a gente faça cada coisa. Aquilo não era hora nem de comer, nem de tomar banho, nem de nada mais. Nada além de admirar aquele balão tão lindo pela janela do quarto.
Amarelo sempre fora sua cor predileta. Por isso ela sempre sonhou em ser florzinha, porque sendo florzinha ela ia poder ser amarela também. Amarelo quase sol, amarelo felicidade.
Pena que felicidade para ela era algo tão abstrato. Nem devia ser verdade. Existia aquilo? Aonde? Ela só conhecia a felicidade de olhar e de imaginar. Porque sentir mesmo, aquilo vindo do coração, deixando suas pernas bambas e tudo, nunca. Seu sorriso nunca ficou colado no rosto, sem querer sair, esticando você até não poder mais. E as cosquinhas na barriga? Nada. Ah, não, erro meu. Sentiu cosquinhas sim, mas eram de fome. Eram mais pra dor, isso é verdade.
Sendo amarela ela não teria aquela cor tão escurinha, parecendo a noite. E de lua ela só tinha o branco dos olhos. Aquelas duas jabuticabinhas enxergantes. Pelo menos balão amarelo aquelas jabuticabas podiam ver. Mas era uma menina tão linda. Não se sabe até hoje porque tanto julgamento, se ela era linda sendo daquele jeito.
Até que ela resolveu ouvir o que a mãe dizia. Era para pedir algo ali na padaria. Ótimo! Ia atrás do balão, nada iria impedi-la de pegar aquele tesouro amarelo-felicidade. E saiu correndo, as trancinhas quase dando uma surra naquele rosto aceso.
Ela esqueceu a fome, o sofrimento, tudo. Esqueceu o carro que passava. Esqueceu tudo pra sempre. Esqueceu tanto que até saiu de si. Mas saiu mesmo, de verdade.
Quando a mãe foi no quarto chorar, tinha um balão amarelo lá dentro. A janela aberta deixava uma ventania sem igual entrar. O balão tinha um sorriso desenhado de canetinha. As fitinhas coloridas tirilintaram de novo, o vento carregou o balão para fora. E lá a mãe ficou, sentindo a chuva e a dor da saudade quase eterna. Só ia durar enquanto ela respirasse.
Até que veio alguém cheio de imaginação e desconhecedor da historia. Inventou que girassol segue o sol. Mal sabia ele que, na verdade, aquelas florzinhas amarelas estavam procurando um tal balão amarelo e voador. E a única coisa que encontravam era aquela estrela irradiando felicidade.


ps: Sim, eu que escrevo tudo.
Sim, os textos são todos meus.
Não, ninguém pode pegar sem pedir.
Is we :D